RESUMO: O presente artigo trata da competência da justiça do trabalho para processar e julgar as ações que envolvam o exercício do direito de greve, tendo por escopo delimitar a extensão da norma à luz da jurisprudência dos Tribunais pátrios, utilizando-se, para tanto, da análise de precedentes firmados pelos Tribunais Superiores e pelos Tribunais locais especializados em matéria trabalhista.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual do Trabalho. Competência. Justiça do Trabalho. Direito de greve. Ação de reintegração de posse. Servidores públicos civis.
1. INTRODUÇÃO
O estudo ora apresentado decorre de pesquisa da autora no campo do Direito Processual do Trabalho, cujo escopo está restrito à análise da competência da Justiça do Trabalho para julgamento de ações decorrentes do exercício do direito de greve, fixada pelo art. 114 da Constituição Federal (CF) e, depois, pormenorizado pela Emenda Constitucional n.º 45/2004.
A finalidade do trabalho consiste em compreender o posicionamento dos Tribunais Superiores quanto à interpretação da referida hipótese constitucional, a partir de uma acepção ampla ou estrita da regra. Para tanto, realiza-se a análise de argumentos doutrinários e jurisprudenciais e, por fim, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.
O tema revela-se de suma importância, na medida em que a greve constitui um direito social assegurado de forma destacada pela Carta Maior, em seu art. 9º, e é objeto de diversas controvérsias suscitadas perante os Tribunais Superiores.
2.DESENVOLVIMENTO
2.1.A competência constitucional da Justiça do Trabalho
Após longos anos sem expressa definição na ordem jurídica brasileira, o art. 114 da Constituição Federal elencou as hipóteses de competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria.
Além da redação originária da Carta Magna de 1988, a Emenda Constitucional de n.º 45/2004 também foi de grande valia para a Justiça do Trabalho, na medida em que ampliou o seu rol de competências e, com isso, deu ensejo a novas discussões a respeito do alcance de cada uma das hipóteses.
Segundo a doutrina, competência material da Justiça do Trabalho, sob a égide da Constituição Federal de 1988, passou a ser sustentada por três pilares: o princípio da competência original ou específica, que consiste na competência de processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho; o princípio da competência derivada ou decorrente, relativa à competência para processar e julgar outros conflitos decorrentes da relação de trabalho; e o princípio da competência executória das próprias sentenças.
Entendida a importância da análise do art. 114 para o que se entende por “direito constitucional do trabalho”, é válido introduzir o inciso que virá a ser analisado: as ações que envolvam exercício do direito de greve (art. 114, inciso II, da CF).
A greve é, por excelência, um mecanismo de autotutela que o empregado tem a seu favor contra o empregador, em tentativa de diminuir sua hipossuficiência.[1] De acordo com Lei n.º 7.783/89, tal instituto consiste em uma paralisação coletiva, pacífica e temporária, por parte dos empregados, em busca de melhorias nas condições de trabalho.
Consoante a lei de regência, impende destacar que o direito de greve deve ser exercido dentro de determinados limites legais, sob pena de ser declarada abusiva a greve pelo Poder Judiciário. Como algumas de tais limitações, cita-se, por exemplo, o não impedimento de acesso de terceiros, alheios à greve, ao local de trabalho e a não depreciação do patrimônio do empregador.
Nesse contexto, podem ser propostas ações judiciais anteriores, concomitantes ou posteriores à deflagração da greve, a exemplo, das demandas para assegurar o próprio exercício do direito ou reparar os danos causados pela greve.[2] Em todos os casos, a competência para julgar e processar o feito será da Justiça do Trabalho, com fundamento no art. 114, II, da CF.
A controvérsia, porém, exsurge nos casos em que a situação fática abarca tanto o exercício do direito de greve quanto outros institutos jurídicos afetos a diversos ramos do direito. Em tais situações, a doutrina e a jurisprudência muito discutem a respeito da competência – se da justiça especializada do trabalho ou da comum – para julgamento da causa, o que restará ilustrado a partir das situações de proteção da posse e da greve realizada por servidores públicos civis.
2.2. Ações possessórias que envolvam o exercício do direito de greve
Tradicionalmente, é aceita a propositura de ações possessórias na Justiça do Trabalho nos casos em que diretamente derivadas do contrato de trabalho, a exemplo das lides envolvendo moradia provida pelo empregador ou nos casos de salário in natura.
No caso do direito de greve, imprescindível considerar tal fenômeno como um fato trabalhista e social, de modo a envolver não apenas as partes grevistas, mas também terceiros direta ou indiretamente afetados.[3] Nesse contexto, a competência para o julgamento de ações possessórias decorrentes do exercício do direito de greve passa a ser questionada, sendo possível a defesa da competência da Justiça do Trabalho no caso de interpretação ampla do art. 114, II, da CF, ou para a Justiça de Comum, se entendido tal dispositivo em termos estritos.
De início, ressalte-se que o art. 1.210, caput, do Código Civil de 2002 institui três medidas de proteção ao possuidor: havendo turbação, surge o direito de ser mantido na posse; ocorrendo o esbulho, há o direito de ser restituído da posse; existindo justo receio de ser molestado, é o possuidor segurado de violência iminente. Tais direitos podem ser postulados em juízo, respectivamente, por meio de ação de manutenção de posse, ação de reintegração de posse e ação de interdito proibitório.[4]
A doutrina atual mostra-se unânime no sentido de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de ações possessórias que envolvam a matéria trabalhista, aí incluído o art. 114, II, da Constituição Federal. Destaque-se a lição de Mauro Schiavi:
Em nossa visão, tanto as ações coletivas como individuais que envolvem o exercício do direito de greve são da competência da Justiça do Trabalho, seja entre as partes diretamente envolvidas, seja entre os que sofrem os efeitos do movimento grevista, mas não participam da greve. [...] Durante o movimento paredista, são comuns as ações possessórias, quando já há a efetiva turbação ou esbulho da posse, ou as ações preventivas, como o interdito proibitório. Para apreciar tais ações, a Justiça do Trabalho sempre aplicou o Direito Civil e o Código de Processo Civil, por força dos arts. 8º e 769 da CLT. No nosso sentir, mesmo as ações possessórias movidas por terceiros que não fazem parte do movimento paredista, são agora da competência material da Justiça do Trabalho, pois são ações relacionadas ao exercício do direito de greve.[5]
No tocante ao direito de greve, merece destaque a situação em que clientes e funcionários se veem impedidos de adentrar em agência bancária devido à greve dos demais empregados, dando ensejo à propositura de ação de interdito proibitório em face da ameaça ao direito de posse da agência. Em tal caso, indaga-se qual seria a principal questão da lide: se o exercício à posse ou se o direito de greve.[6]
O Superior Tribunal de Justiça inicialmente entendeu que a questão se referia ao próprio exercício da posse, constituindo questão de direito privado e, por consequência, de competência da Justiça Comum. A saber:
CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. PIQUETE GREVISTA EM PORTA DE EMPRESA. AÇÃO QUE BUSCA GARANTIR LIVRE ACESSO A FUNCIONÁRIOS E CLIENTES. AÇÃO DE NATUREZA POSSESSÓRIA. QUESTÃO DE DIREITO PRIVADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. OCORRÊNCIA. SÚMULA 07-STJ.
I. É de competência da Justiça Comum estadual processar e julgar ação em que se busca garantir livre acesso a funcionários e clientes junto à empresa, na medida em que o pedido e a causa de pedir do interdito proibitório não envolvem matéria trabalhista. Precedentes.
II. "A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial."
III. Agravo regimental a que se nega provimento.[7]
Contudo, é imprescindível considerar que a causa de pedir da referida ação possessória consistia, justamente, na discussão em torno do abuso do direito de greve.
Tal como dispõem os arts. 6º e 9º da Lei n.º 7.783/89, não podem as manifestações grevistas “impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”, assim como será assegurado ao empregador a manutenção “em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.”
Dessa forma, forçoso concluir que a causa de pedir do interdito possessório envolvia o direito de greve, que, por determinação constitucional, é matéria afeta à Justiça do Trabalho. Assim, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela prevalência da competência da Justiça do Trabalho em casos tais:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. JUSTIÇA DO TRABALHO X JUSTIÇA COMUM. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO. MOVIMENTO GREVISTA. ACESSO DE FUNCIONÁRIOS E CLIENTES À AGÊNCIA BANCÁRIA: "PIQUETE". ART. 114, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
1. "A determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil" (Conflito de Jurisdição n. 6.959), bastando que a questão submetida à apreciação judicial decorra da relação de emprego.
2. Ação de interdito proibitório cuja causa de pedir decorre de movimento grevista, ainda que de forma preventiva.
3. O exercício do direito de greve respeita a relação de emprego, pelo que a Emenda Constitucional n. 45/2003 incluiu, expressamente, na competência da Justiça do Trabalho conhecer e julgar as ações dele decorrentes (art. 114, inciso II, da Constituição da República).
4. Recurso extraordinário conhecido e provido para fixar a competência da Justiça do Trabalho.[8]
Ao fim, a controvérsia foi solucionada pela edição da Súmula Vinculante n.º 23 pelo Supremo Tribunal Federal, a qual preconiza que “a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.”.
Noutro giro, há que se mencionar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região que decidiu ser de competência originária do Tribunal Superior do Trabalho o julgamento de ação possessória decorrente de movimento grevista, quando a lide tiver como parte o Banco do Brasil. Isso porque, em tal situação, restaria caracterizada a amplitude nacional do movimento, de modo a restar claro o intuito de obtenção de vantagem a partir de greve deflagrada em todo o território nacional, fazendo incidir o art. 678, I, “a” da Consolidação das Leis do Trabalho.[9]
Entretanto, ao apreciar a questão, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu que o interdito proibitório fundado em movimento grevista possui natureza de ação civil de possessória, não havendo que se falar em dissídio coletivo nem, por conseguinte, de competência originária do TST. Confira-se os seguintes precedentes:
INTERDITO PROIBITÓRIO COM PEDIDO DE LIMINAR DE MANUTENÇÃO DE POSSE. COMPETÊNCIA FUNCIONAL DAS VARAS DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL LIGADA À DEFESA DA POSSE.
1. Nos termos do art. 114, II, da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 23 do STF, inscreve-se na competência originária das Varas do Trabalho julgar interdito proibitório cuja causa de pedir decorra de movimento grevista, ou seja, com o fim de garantir o livre acesso de funcionários e clientes a agências bancárias durante período de greve, na medida em que se trata de ação civil de natureza possessória, e não de dissídio coletivo de natureza econômica ou de greve, em que a Justiça do Trabalho exerce o Poder Normativo.
2. O acórdão regional divergiu dessa orientação ao declinar de sua competência recursal e determinar a remessa dos autos à Seção de Dissídios Coletivos do TST, órgão jurisdicional ao qual não foi outorgada constitucionalmente a competência originária para julgar ação possessória. Determinação de retorno dos autos ao TRT da 10ª Região para prosseguir no julgamento do recurso ordinário interposto pela entidade sindical.[10]
RECURSO DE REVISTA - PRELIMINAR DE NULIDADE - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO PREVENTIVO - DIREITO DE GREVE - INCOMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUÍZO DE 1º GRAU - MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL.
1. Nos termos do art. 114, II, da Constituição e da Súmula Vinculante nº 23 do STF, insere-se na competência originária das Varas do Trabalho julgar o Interdito Proibitório se a causa de pedir decorrer de movimento grevista, na medida em que se trata de ação civil de natureza possessória, conforme ao art. 932 do CPC (art. 567 do NCPC), e não de dissídio coletivo de natureza econômica ou de greve, em que a Justiça do Trabalho exerce o poder normativo, de competência originária dos Tribunais Regionais, nos termos do art. 678, I, "a", da CLT.
2. A determinação para assegurar um percentual mínimo de ônibus em circulação durante o período de greve, sob pena de multa diária, é matéria de dissídio de greve, de competência dos Tribunais, e extrapola a natureza do Interdito Proibitório, cujo escopo é a proteção da posse, de direito real do autor, a fim de impedir que seja molestada. Jugados. Recurso de Revista conhecido e provido.[11]
Destarte, embora hoje pacífica a competência da justiça trabalhista para processar e julgar ações possessórias ajuizadas em decorrência do direito de greve, há controvérsia nos casos em que tal garantia é exercida em âmbito nacional, havendo o Tribunal Superior do Trabalho, por ora, afastado a caracterização do dissídio coletivo.
2.3. Ações que envolvam a greve realizada por servidores públicos civis
A controvérsia a respeito da competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que decorram do exercício do direito de greve (art. 114, II, da CF) não se exaure no próprio inciso, mas também abarca controvérsia conjunta ao inciso I da mesma norma: a competência da justiça especializada para apreciar causas oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Diante disso, a fim de avaliar se é a Justiça Trabalhista competente para julgar ações que envolvam o exercício do direito de greve de servidos públicos civis, faz-se necessário divagar a respeito do citado art. 114, I, da CF a fim de responder ao seguinte questionamento: o poder de julgar e processar questões referentes a relações de trabalho na administração pública é amplo ou se limita a uma espécie (estatutário ou celetista)?
Primeiramente, segundo a redação original do art. 114 da CF, não havia dúvidas de que as demandas de competência da Justiça do Trabalho seriam somente aquelas travadas entre trabalhadores e empregadores, sob o regime da CLT, haja vista que a norma apenas mencionava “dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores”.
Porém, com o advento da EC n.º 45/2004, houve uma ampliação do rol de competência, o qual passou a abarcar, de forma expressa, as matérias atinentes a “relações de trabalho”, gênero do qual decorre a relação de emprego regida pela CLT. Foram iniciadas, então, discussões acerca da possibilidade de a Justiça do Trabalho ser competente para julgar ações de servidores públicos estatutários, inseridos em relação jurídico-administrativa.
Nesse contexto, a AJUFE (Associação dos Juízes Federais do Brasil) propôs a ADI 3.395, em que indicado o inciso I do artigo 114 como parâmetro inferior para fins de afastamento da competência trabalhista quanto às ações movidas por servidores públicos estatutários em desfavor do ente respectivo. A despeito de tratar do inciso I, a ADI possui reflexo direto na interpretação do inciso II do mesmo artigo, visto que, se decidido que a Justiça do Trabalho deve julgar os conflitos decorrentes de relação de trabalho dos servidores estatutários, deveria também ser competente para julgar as ações decorrentes do exercício do direito de greve destes.
A AJUFE defendeu que os servidores ocupantes de cargo criados por lei não deveriam ser julgados pela Justiça Trabalhista, pois a relação que se mantém entre o Estado e o servidor é tão somente de Direito Administrativo, e não de Direito do Trabalho.[12]
De outro lado, instituições como a ANAMATRA (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) e ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) sustentavam a posição de que deveria o servidor público estatutário ser julgado e processado perante a Justiça do Trabalho, visto que assim o foi na Constituição de 1946.[13]
Da mesma forma, a doutrina se dividia quanto à matéria. De um lado, contra a inclusão dos estatutários na seara da competência da Justiça Trabalhista, estava Celso Antônio Bandeira de Mello:
Parece-nos óbvio que com a dicção ‘trabalhadores e empregadores’, ou com a dicção ‘relação de trabalho’, só pode estar se reportando aos casos em que os servidores das entidades estatais esteja sob ‘regime trabalhista’, regime de emprego (ou haja estado sob tal regime e proponha questões ao propósito dele suscitadas). Vale dizer: a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer das questões entre titulares de cargo e o Poder Público, ou suas entidades auxiliares, concernentes a direito oriundos de tal vínculo. A Justiça Comum é que conhecerá de tais direitos.[14]
De outro, porém, a favor da concentração dos conflitos dos servidores estatutários na Justiça Especializada, situava-se Sérgio Pinto Martins:
Relação de trabalho é gênero, que abrange a espécie relação de emprego, mas compreende a relação do funcionário público, que tem relação de trabalho com a Administração Pública.
A interpretação histórica do inciso I do art. 114 da Constituição mostra que havia exceção no dispositivo, aprovada no Senado Federal. O dispositivo promulgado e publicado no Diário Oficial não fez exceção em relação ao funcionário público e às pessoas que exercem cargo em comissão. Logo, a Justiça do Trabalho tem competência para examinar as questões destas pessoas.
A interpretação sistemática do preceito constitucional indica que não se faz mais menção a empregador no inciso I do art. 114 da Lei Maior, mas apenas a relação de trabalho. (...)
É claro o inciso I do art. 114 da Lei Maior em abranger as relações de trabalho em que são parte “a administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios”. Não fazendo referência a empregador, significa que os funcionários públicos da União, Estados, Distrito Federal e municípios terão direito de ação na Justiça do Trabalho.[15]
Ao apreciar a controvérsia no julgamento da referida ADI 3.395, o Supremo Tribunal Federal acolheu a pretensão da AJUFE e entendeu pela incompetência da Justiça do Trabalho para julgar ações que envolvam servidores públicos estatutários, haja vista a interpretação estrita do termo “relações de trabalho”, que devia abarcar apenas aquelas regidas pela CLT:
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Competência. Justiça do Trabalho. Incompetência reconhecida. Causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários. Ações que não se reputam oriundas de relação de trabalho. Conceito estrito desta relação. Feitos da competência da Justiça Comum. Interpretação do art. 114, inc. I, da CF, introduzido pela EC 45/2004. Precedentes. Liminar deferida para excluir outra interpretação. O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária.[16]
Tal pacificação, porém, não encerrou os questionamentos a respeito do art. 114, II, da Constituição Federal, subsistindo a dúvida quanto à possível prevalência da Justiça do Trabalho em caso de direito de greve, ainda que exercido este por agentes públicos.
Em um primeiro momento, no julgamento do Mandado de Injunção n.º 708, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela existência de omissão legislativa atinente à regulamentação do exercício do direito de greve exercido pelos servidores públicos e, a fim de saná-la, determinou a aplicabilidade das disposições da Lei n.º 7.783. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal assentou, também, a competência da Justiça Comum para o julgamento das ações relativas à greve realizada por servidores públicos insertos em vínculo jurídico-administrativo.
O julgado, porém, não esgotou a matéria, haja vista que não dispôs a respeito dos empregados públicos – submetidos a vínculo de natureza trabalhista, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho e que inseridos no art. 114, I, da CF.
A matéria foi, finalmente, pacificada no Tema de Repercussão Geral n.º 544, no bojo do Recurso Extraordinário n.º 846.854, em que fixada a tese: “A justiça comum, federal ou estadual, é competente para julgar a abusividade de greve de servidores públicos celetistas da Administração pública direta, autarquias e fundações públicas”[17].
Dessa forma, consoante o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, em interpretação conjunta dos incisos I e II do art. 114 da CF, tem-se que as ações relativas ao direito de greve, embora veiculem matéria ínsita à Justiça do Trabalho, deverão ser propostas na Justiça Comum, caso realizada a greve por servidores públicos (celetistas ou estatutários).
3.CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a competência da Justiça do Trabalho para julgar causas decorrentes do exercício do direito de greve foi positivada, de forma expressa, na Constituição Federal, por ocasião da EC n.º 45/2004 e, desde então, suscitou diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.
Cita-se, nesse sentido, a controvérsia atinente às ações possessórias, que, ante a interpretação ampla conferida ao termo “greve” pelo Supremo Tribunal Federal, restou firmada a competência da justiça especializada em casos tais, conforme entendimento pacificado na Súmula Vinculante n.º 23. Além disso, a partir da interpretação restrita à expressão “relação de trabalho” contida no inciso I do art. 114 da CF, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser competente a Justiça Comum para o julgamento de litígios decorrente de greve realizada por agentes públicos, estejam eles submetidos a vínculo celetista ou estatutário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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STF – ADI 3.395- MC, Plenário, Rel. Ministro Cezar Peluso, Publicado em: 10/11/2006.
STF – RE 579648, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-043 DIVULG 05-03-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-08 PP-01534 RTJ VOL-00208-03 PP-01271
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STJ – AgRg no Ag 720.362/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 296
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO. Ações possessórias pertinentes à greve: competência originária da Seção de Dissídios Coletivos de Tribunal do Trabalho. Disponível em: <https://trt-10.jusbrasil.com.br/noticias/2731540/acoes-possessorias-pertinentes-a-greve-competencia-originaria-da-secao-de-dissidios-coletivos-de-tribunal-do-trabalho?ref=serp>.
TST – Pet - 5473-59.2011.5.00.0000, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 12/09/2011, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011
TST – RR-5066-95.2010.5.12.0051, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 09/03/2017.
[1] PONTES, Bruno. O Exercício do Direito de Greve. Disponível em: <https://brunoflpontes.jusbrasil.com.br/artigos/452983197/o-exercicio-do-direito-de-greve>. Acesso em: 20 de maio de 2019.
[6] GOMES, Luiz Flávio. Súmula Vinculante nº 23. Disponível em: <https://lfg.jusbrasil.com.br/ noticias/2037723/sumula-vinculante-n-23>. Acesso em: 22 de maio 2019.
[7] STJ – AgRg no Ag 720.362/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 296.
[8] STF – RE 579648, Relator(a): Min. MENEZES DIREITO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-043 DIVULG 05-03-2009 PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-08 PP-01534 RTJ VOL-00208-03 PP-01271.
[10] TST – Pet - 5473-59.2011.5.00.0000, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 12/09/2011, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 30/09/2011.
[11] TST – RR-5066-95.2010.5.12.0051, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 09/03/2017.
[12] GIMENES, Victor. Competência da Justiça do Trabalho em relação ao servidor público estatutário. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/67031/competencia-da-justica-do-trabalho-em-relacao-ao-servidor-publico-estatutario/3. Acesso em: 21 de maio de 2019>.
[14] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 241
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2020)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CISNEIROS, Bianca de Sá. A competência da justiça do trabalho e as ações relativas ao exercício do direito de greve Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2023, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /63301/a-competncia-da-justia-do-trabalho-e-as-aes-relativas-ao-exerccio-do-direito-de-greve. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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